O Supremo Tribunal Federal (STF) tem adotado cada vez mais a conciliação como estratégia para solucionar disputas de natureza estrutural e política, um movimento que vem crescendo nos últimos anos e gerando debates acalorados entre especialistas jurídicos.
A conciliação, como alternativa para resolução de conflitos, busca facilitar o diálogo entre as partes a fim de alcançar um acordo, em vez de depender exclusivamente de decisões judiciais. Embora essa abordagem não seja nova, a sua internalização no STF ganhou força, especialmente desde 2020.
No mês de abril, o ministro Gilmar Mendes deu início a um processo conciliatório focado nas questões que envolvem o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
O marco temporal estipula que as demarcações devem considerar as áreas ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Embora a corte tenha rejeitado a adoção desse critério em 2023, um projeto aprovado pelo Congresso meses depois reafirmou essa tese, levando o caso de volta ao Supremo.
Ao instituir uma comissão para discutir o tema, Gilmar Mendes enfatizou que essa questão “não será resolvida apenas por uma decisão judicial” e que o “diálogo institucional entre os Poderes tem se mostrado insatisfatório”.
Eloisa Machado, especialista em Direito, participou da audiência em defesa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, mas se retirou devido à sua indignação com o processo conciliatório, que considera “um descalabro”, por colocar em risco direitos de grupos minoritários, que já são sub-representados na comissão.
A conciliação, segundo Machado, pode funcionar em contextos simples, mas é inadequada para julgamentos que envolvem a constitucionalidade de direitos. “Estamos lidando com proteção de direitos fundamentais, e isso não pode ser tratado como um simples acordo”, declarou ela.
Além do marco temporal, outros assuntos também estão sendo encaminhados para conciliação, incluindo a revisão de acordos de leniência da Lava Jato, questões de transparência nas emendas parlamentares e o fornecimento de medicamentos não listados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Recentemente, a corte já homologou acordos vinculados a compensações por expurgos inflacionários e perdas de arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Desde 2020, o STF tem acelerado a implementação de métodos alternativos para resolver disputas, criando centros de mediação e promovendo colaboração com outros órgãos do Judiciário.
Dados do tribunal indicam que, desde 2015, foram homologados 46 acordos em 106 processos, com 39 em análise e 21 sem solução. Embora não representem todos os casos conciliados, estes números sugerem uma tendência crescente nessa abordagem.
A corte afirmou que os métodos consensuais podem ser utilizados para questões jurídicas que, embora objetivas, têm repercussões práticas. Cada caso é tratado individualmente, com atenção às suas particularidades.
Embora inicialmente as discussões não abordassem a constitucionalidade, com o caso do marco temporal essa situação começou a mudar. “Nunca vimos uma proposta para transacionar controle de constitucionalidade, e isso é problemático”, observa uma das especialistas.
O STF reiterou que a constitucionalidade é um dos limites para a conciliação, tendo sido discutido em audiências específicas sobre o marco temporal.
O advogado Cassio Scarpinella Bueno elogiou a iniciativa do STF de buscar consenso, acreditando que isso ajuda as partes a reconhecerem a complexidade dos conflitos e a necessidade de compromisso.
Por outro lado, vozes críticas se levantam contra a iniciativa, sugerindo que a prática de conciliação em questões constitucionais é inédita e preocupante. “Não há paralelo em outras cortes constitucionais do mundo”, observa um professor, destacando a importância do papel decisório do tribunal.