No início dos anos 1990, arqueólogos na Bacia de Tarim, região desértica de Xinjiang, descobriram dezenas de múmias de aproximadamente 3.500 anos. As múmias localizadas nas tumbas de Xiaohe estavam acompanhadas de objetos intrigantes, entre eles, pedaços de queijo elaborado com kefir. Recentemente, um estudo revelou novas evidências sobre a origem do kefir por meio da análise do DNA bacteriano presente neste queijo antigo.
O estudo, publicado na revista científica Cell, identificou a presença da bactéria Lactobacillus no material do queijo, sugerindo que sua origem remonta à região do Tibete, desafiando a visão tradicional de que o kefir tinha raízes nas montanhas do Cáucaso, na Rússia.
Atualmente, conhecemos dois grupos distintos de bactérias, um originário de cada região. O tipo russo ainda é amplamente utilizado em países como Estados Unidos, Japão e várias nações europeias na produção de iogurte e queijo.
O kefir, uma bebida fermentada à base de leite, é produzido a partir de grãos que contêm colônias de bactérias e leveduras. O queijo encontrado com as múmias indica que os povos antigos da Idade do Bronze já incorporavam técnicas de fermentação em seus hábitos alimentares.
A paleogeneticista responsável pela pesquisa destacou que os habitantes de Xiaohe integraram ativamente a criação de animais em suas práticas culturais, com o queijo kefir se tornando parte fundamental de sua dieta. Ela também observou que a produção de alimentos fermentados se espalhou por toda a Ásia Oriental como resultado dessa ancestral inovação.
Os pesquisadores descobriram que o queijo era feito a partir de leite de vaca e cabra, mas, curiosamente, indicam que esses povos não misturavam os dois tipos de leite, diferenciando-se das práticas do Oriente Médio e da Grécia. Os motivos dessa técnica única ainda permanecem desconhecidos.
A amostra analisada ficou retida por mais de uma década até que a tecnologia permitisse uma investigação mais completa. A equipe utilizou sondas específicas para extrair os genomas das bactérias Lactobacillus kefiranofaciens. Além disso, identificaram espécies como Pichia kudriavzevii, frequentemente presentes nos grãos de kefir contemporâneos.
Através de sequenciamento genético, foram realizadas comparações entre as espécies antigas e modernas, revelando tanto similaridades quanto diferenças funcionais. O estudo sugere que as cepas modernas de Lactobacillus kefiranofaciens se adaptaram a diferentes condições ambientais e interações com humanos ao longo do tempo.
As cepas modernas desenvolveram resistência a estresses ambientais e interagem de maneira complexa com o sistema digestivo humano, desempenhando um papel importante nos nutrientes e na eliminação de toxinas. A pesquisa evidencia que esses microrganismos influenciaram consideravelmente a vida cotidiana de civilizações antigas, muitas vezes sem que soubessem de sua essência.
A disseminação de tecnologias relacionadas à fermentação láctea acompanhou migrações e interações humanas, promovendo a evolução das bactérias lácticas. A separação entre as linhas de Lactobacillus kefiranofaciens pode ser atribuída à adaptação de suas linhagens em diferentes populações ao longo do tempo.
A equipe de pesquisa planeja analisar ainda mais amostras biológicas do queijo mais antigo, como cálculos dentários e vestígios fecais fossilizados, utilizando genomas microbianos para investigar atividades humanas passadas. Os cientistas esperam elucidar hábitos de vida, saúde e adaptações ambientais, tanto dos ancestrais quanto dos microrganismos envolvidos.