A regulamentação da taxa de juros moratórios tem gerado intensos debates entre especialistas desde a reforma do Código Civil em 2002, conforme a Lei nº 10.406.
Antes dessa mudança, o Código Civil de 1916 permitia que as partes definissem livremente a taxa de juros moratórios, com um teto fixado em 6% ao ano, caso não houvesse acordo formal, conforme o artigo 1.062.
Com a reforma de 2002, o artigo 406 estabeleceu que a taxa de juros moratórios deve ser determinada pelo percentual aplicável à mora de pagamento de impostos à Fazenda Nacional, gerando discussões sobre qual taxa legal deveria ser considerada, dada a imprecisão do texto que demandou a análise de diferentes normas para um entendimento mais claro.
As principais interpretações que emergiram incluem:
(i) a aplicação da taxa estabelecida no Código Tributário Nacional, que fixou em 1% ao mês, conforme o parágrafo 1º do artigo 161. Essa compreensão também se apoia no 20º Enunciado da I Jornada de Direito Civil e no artigo 5º do Decreto nº 22.626 (Lei de Usura); e
(ii) a proposta de utilizar a taxa Selic como referência, com base em dispositivos legais que mencionam sua aplicação, especialmente para a atualização de tributos.
A recente disputa entre essas duas correntes foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.795.982, que questionava se uma dívida civil extracontratual (decorrente de acidente de trânsito) deveria ter a incidência de 1% ao mês de juros consoante o Código Tributário Nacional ou se a taxa Selic deveria ser aplicada para correção. O julgamento favorável à utilização da Selic está suspenso, aguardando um pedido de nulidade feito por um ministro.
Em paralelo, a promulgação da Lei nº 14.905 de 2024, em 1º de julho de 2024, introduziu alterações nos artigos 389 e 406 do Código Civil, estabelecendo que a Selic, deduzida do IPCA, será a taxa de juros aplicável na ausência de um acordo específico entre as partes.
Essa mudança entrará em vigor após 60 dias da publicação, ou seja, estará efetiva a partir de setembro de 2024, caso não haja estipulação contratual diferente.
Embora as novas disposições legais tenham sido estabelecidas, ainda é crucial que haja uma regulamentação clara para a aplicação da Selic. O Conselho Monetário Nacional deverá definir a metodologia de cálculo, bem como a forma de dedução do IPCA, aspectos que ainda se encontram pendentes de definição.
Estudos indicam que a maneira como a metodologia for regulada poderá impactar significativamente o montante a ser cobrado pela parte devedora, em favor do credor, ao longo do tempo.
Esta recente alteração no Código Civil, no entanto, não encerra o debate acerca das taxas de juros. Atualmente, uma nova proposta para atualizar o Código Civil, apresentada em abril de 2024, sugere a definição de uma taxa de juros moratórios entre 1% e 2% ao mês, indicando que a discussão legislativa ainda está longe de um consenso.
Em resumo, após o período de vacatio legis da Lei nº 14.905 de 2024, a Selic, deduzida do IPCA, deverá ser aplicada na ausência de um acordo entre as partes. Contudo, é essencial acompanhar as definições metodológicas a serem anunciadas pelo Conselho Monetário Nacional, além dos desdobramentos da nova proposta de alteração do Código Civil, que pode impactar o cenário regulatório atual.