Em meio às incertezas sobre o futuro do comércio global, a Organização Mundial do Comércio (OMC) se destaca com uma visão otimista: a venda de serviços digitais será um motor significativo para as exportações nos próximos anos, especialmente beneficiando países menos desenvolvidos.
Essa perspectiva desafia a ideia tradicional de que as exportações se baseiam em produtos manufaturados. Dados recentes confirmam que os serviços digitais estão impulsionando o crescimento no comércio internacional, com o Brasil registrando um desempenho acima da média global. Especialistas acreditam que esses números são apenas um reflexo do potencial futuro do setor.
Entre 2005 e 2023, as exportações globais de serviços digitais cresceram impressionantes 313%, enquanto o Brasil registrou um aumento de 495%. Por outro lado, as vendas de produtos físicos avançaram de forma mais modesta: 121% no mundo e 187% no Brasil no mesmo período.
A OMC argumenta que o crescimento do trabalho remoto fez com que muitas empresas, especialmente em economias de alta renda, buscassem serviços importados para tarefas como contabilidade, design gráfico e engenharia de software.
A instituição também ressalta o potencial de áreas como tecnologia da informação e a crescente demanda por serviços digitais de saúde, impulsionada pelo envelhecimento da população em economias desenvolvidas.
Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC, está focando as energias da instituição nesta pauta, considerando-a uma oportunidade para tornar a economia global mais inclusiva. Durante um discurso no fórum anual da OMC em Genebra, ela afirmou: “O comércio de serviços está no centro dos nossos esforços para reimaginar a globalização e estender os benefícios do comércio a mais pessoas e países.”
Segundo Okonjo-Iweala, já se observa um aumento no emprego relacionado à exportação de serviços digitais, com países como Índia, África do Sul e Turquia registrando mais de 10% da força de trabalho em serviços diretamente ligados a esse crescimento. Em nações como a Costa Rica, as exportações de serviços representam mais de 20% do total de empregos.
“Isso é crucial, pois as perspectivas de crescimento e geração de empregos nas economias em desenvolvimento estão nos serviços. A manufatura, que exige cada vez mais capital e qualificação, não conseguirá absorver a nova força de trabalho da mesma forma que no passado”, complementou Okonjo-Iweala.
A OMC destaca o aspecto social da exportação de serviços, já que, enquanto a exportação de bens industrializados é dominada por grandes empresas, a maioria dos serviços é oferecida por micro, pequenas e médias empresas. Isso sugere que conectar essas empresas aos mercados internacionais poderia democratizar os ganhos do comércio.
Richard Baldwin, especialista em economia internacional, observa que a discussão sobre serviços ganha destaque na atualidade, já que a expansão das exportações de produtos industrializados enfrenta desafios consideráveis. “A demanda por produtos industrializados estagnou e a China domina a manufatura”, afirma Baldwin.
Ele ressalta que a ausência de um líder global neste mercado oferece uma oportunidade significativa para países em desenvolvimento, com a exportação de serviços já crescendo em 70% das nações emergentes em resposta à busca de grandes empresas por custos mais baixos. A tendência deve acelerar à medida que as barreiras comerciais atuais, muito mais severas do que as de bens físicos, forem eliminadas.
O avanço tecnológico, com ferramentas como tradução simultânea e inteligência artificial, também deve impulsionar o mercado. Baldwin acredita que a proximidade geográfica e os fusos horários terão importância, criando demanda por serviços da América Latina para os EUA e Canadá, enquanto a África poderá atender à Europa.
Um relatório da OCDE de 2022 posicionou o Brasil como um competidor forte no setor, destacando o crescimento do acesso à internet, que triplicou em 15 anos.
“Os serviços digitais representam uma parcela importante e crescente das exportações brasileiras, superando muitos parceiros regionais”, afirma a OCDE. A instituição vê uma oportunidade promissora no derrubar de barreiras para facilitar o uso de tecnologia na exportação.
Jennifer Hillman, especialista em regulação, aponta que uma infraestrutura digital robusta é crucial para o crescimento do setor. Contudo, ela alerta que a falta de consenso interno nos Estados Unidos tem impactado o debate necessário para a regulamentação eficaz.
“A promessa dos serviços digitais para o desenvolvimento é significativa, pois pode gerar crescimento massivo em diversas economias. No entanto, isso depende de reduzirmos barreiras e encontrarmos formas de fazer a regulamentação funcionar”, conclui Hillman.