Aviso: Este artigo contém descrições de abuso sexual.
Em uma noite de novembro de 2020, Caroline Darian recebeu uma ligação que mudaria para sempre sua vida. Sua mãe, Gisèle Pelicot, revelou que havia descoberto um segredo perturbador sobre seu pai, Dominique.
“Ela contou que o [meu pai] Dominique a havia drogado por cerca de 10 anos para que outros homens possam estuprá-la,” relembra Darian. “Naquele momento, minha vida normal foi completamente destruída. Foi como um terremoto, um tsunami.”
Dominique Pelicot foi condenado a 20 anos de prisão em um julgamento histórico que durou três meses e meio, encerrado em dezembro. Mais de quatro anos depois, Darian afirma que seu pai “deveria permanecer na cadeia até morrer”.
Além de Pelicot, cinquenta homens recrutados por ele para abusar sexualmente de sua esposa inconsciente também foram condenados.
A descoberta do crime começou quando a polícia investigou Dominique por filmar mulheres em um supermercado. Em seu laptop e telefones, foram encontrados milhares de vídeos e fotos de sua esposa sendo estuprada por estranhos, claramente inconsciente.
O julgamento não apenas chamou a atenção para a violência sexual, mas também destacou o conceito de submissão química — um crime frequentemente ignorado e de difícil documentação.
Darian busca dar voz às vítimas de abuso
Após receber a chocante notícia, Darian e seus irmãos foram ao sul da França para apoiar a mãe diante do que ela descreveu como “um dos piores predadores sexuais das últimas décadas”.
Logo depois, Darian foi chamada pela polícia e confrontada com duas fotos que mostravam uma mulher inconsciente. Inicialmente, não conseguiu reconhecer a si mesma, mas, após perceber uma marca que dela se sobrepunha às fotos, enfrentou a dura realidade: “Olhei para essas fotos de forma diferente e reconheci que era eu.”
Darian acredita firmemente que também foi abusada por seu pai — uma alegação que ele sempre negou. “Sei que ele me drogou, provavelmente para abuso sexual. Mas não tenho provas,” explica.
Ao contrário do caso de sua mãe, que trouxe à luz evidências concretas, Darian reflete sobre o número incontável de vítimas que não têm como provar um abuso. “Quantas vítimas não são ouvidas por falta de provas?” questiona.
Após o escândalo, Darian publicou um livro sobre suas experiências, que aborda o trauma familiar e a questão da submissão química, muitas vezes facilitada por medicamentos comuns.
“Analgésicos, sedativos. São remédios presentes em muitas casas,” afirma Darian. Para quase metade das vítimas de submissão química, o agressor é alguém que elas conhecem, trazendo um perigo insuspeito de dentro de casa.
O trauma gerado por este abuso foi imenso, especialmente para sua mãe, Gisèle, que encontrou dificuldade em aceitar que o marido pudesse ter agredido sua própria filha. “Para uma mãe, é difícil processar tudo isso de uma vez,” diz Darian.
Quando Gisèle decidiu tornar o julgamento público para expor a gravidade do que havia vivido, mãe e filha uniram forças, determinadas a encarar a situação com dignidade e coragem.
Darian luta agora para conciliar o estrago emocional de ser filha tanto da vítima quanto do torturador, uma “carga dolorosa” que pesa sobre ela. Com dificuldade, tenta manter uma conexão com sua infância, mas se depara com a realidade de reconhecer seu pai como um criminoso.
“Quando olho para trás, não vejo o pai que pensava que ele era, mas sim o criminoso sexual que ele realmente é,” reflete. “Sou completamente diferente dele.”
Darian não classifica seu pai como um monstro, mas ressalta que ele tem consciência de seus atos. “Ele é um homem perigoso e não deve ser libertado,” afirma com firmeza.
Dominique Pelicot, hoje com 72 anos, ainda enfrentará um longo período na prisão, e é incerto se ele algum dia reencontrará sua família. Enquanto isso, Gisèle está agora em processo de recuperação.
Darian está determinada a aumentar a conscientização sobre a submissão química e educar os jovens sobre abuso sexual. Ao lado de seu marido, irmãos e filho, ela busca reconstruir sua vida. “Os eventos daquela noite de novembro moldaram quem sou hoje. Estou focada no futuro,” conclui.