No domingo, 26 de fevereiro de 2023, uma notícia transformadora chegou à vida da assistente social Ana Gabriela Mesquita Alves, de 42 anos. O médico responsável pelo serviço de transplante hepático da Santa Casa do Pará, em Belém, anunciou que um fígado estava disponível para ela.
O diagnóstico de hepatite autoimune, uma condição rara na qual as células de defesa atacam o próprio fígado, foi feito 15 anos atrás. Em casos graves, como o de Alves, a doença pode exigir um transplante. Com o tempo, sua condição evoluiu para cirrose hepática, levando a internações prolongadas na UTI.
Após seu fígado apresentar um quadro preocupante, Alves foi colocada na lista de espera para um transplante em Fortaleza, distante mais de 1.500 km. Contudo, a instabilidade em seu estado de saúde dificultou a localização de um doador adequado.
Na última internação, os médicos previam que ela teria apenas seis meses de vida. “Achei que aquele ano [2022] fosse meu último ano novo com a minha família”, recorda.
A assistente social se tornou a primeira paciente a receber um transplante de fígado na Santa Casa, resultado da capacitação de profissionais do centro de transplantes de um hospital de referência. Essa parceria faz parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), que visa aprimorar a qualidade do SUS por meio de iniciativas de hospitais filantrópicos.
“Senti uma felicidade intensa, mas também medo, pois minha recuperação foi desafiadora. Hoje, levo uma vida normal: faço academia, caminho e voltei a pintar, atividades que não conseguia devido à minha saúde debilitada”, compartilha Alves. Ela realiza exames de rotina a cada dois meses e mantém acompanhamento por telemedicina.
O programa de transplantes tem sido uma parte integral da evolução dos cuidados de saúde desde sua implementação em 2002, oferecendo atendimento a pacientes pelo SUS desde 2009. Ao longo desse período, mais de 90% dos transplantes realizados foram em pacientes do sistema público.
O foco do hospital inclui transplantes de órgãos sólidos, como rim, fígado, pulmão e coração, além de medula óssea e córnea. Recentemente, um programa de capacitação foi iniciado para expandir o acesso aos transplantes, permitindo que médicos se especializem nas práticas necessárias para esse cuidado essencial.
Atualmente, um dos principais desafios enfrentados para a realização de transplantes de órgãos no Brasil é a infraestrutura dos centros hospitalares. Os dados mais recentes indicam que existem 625 hospitais e 1.208 serviços habilitados para transplantes no país, com 1.559 equipes autorizadas.
Financiado principalmente pelo SUS, o programa enfrenta limitações orçamentárias que dificultam o aprimoramento do atendimento. “É crucial um empenho maior dos governos estaduais, pois isso requer investimentos. Temos orgulho de sermos um dos maiores centros para transplantes de fígado na região Norte”, enfatiza o médico responsável por Alves.
A telemedicina desempenhou um papel significativo na eficácia do programa, especialmente após a pandemia, que resultou na capacitação de mais de 6.500 profissionais de saúde por meio de cursos e eventos. O número de profissionais capacitados aumentou consideravelmente entre 2018 e 2023.
Um dos aspectos importantes abordados na capacitação inclui não apenas a cirurgia, mas a avaliação completa da infraestrutura hospitalar e a segurança dos procedimentos. Isso envolve uma equipe multidisciplinar, essencial para assegurar a qualidade e a segurança dos transplantes realizados.
Apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios que limitam a realização de transplantes. A taxa de transplantes de fígado, segundo os dados do Ministério da Saúde, apresentou uma leve queda em relação ao período anterior à pandemia.
A expansão do programa para outras regiões do Brasil é uma necessidade reconhecida, principalmente para atender a demanda reprimida fora dos grandes centros. “O vazio assistencial é notável no Norte e Centro-Oeste do país, mas o processo de formação profissional poderá mitigar essa situação no futuro”, conclui o médico sem responder à consulta sobre a ampliação do programa.
Alves expressa sua gratidão pela equipe que a atendeu. “Fico muito orgulhosa de ter feito parte desse programa, pois recebi apoio excepcional. Sou eternamente grata pela família da doadora e quero contribuir para a conscientização sobre doações de órgãos, pois os transplantes só ocorrem por meio delas”, finaliza.