A pergunta do escritor palestino Atef Abu Saif ecoou na noite de sexta-feira em Paraty: qual o sentido da escrita diante da morte? Em um dos debates mais impactantes da Flip, a conversa uniu a devastação da guerra na Faixa de Gaza a catástrofes naturais como as enchentes no Rio Grande do Sul. A mediadora Bianca Tavolari destacou que, apesar das diferenças, ambas as situações compartilham a perda de referências e da identidade dos espaços que os indivíduos habitam.
O autor, originário de um campo de refugiados em Gaza, apresentou seu novo livro, “Quero Estar Acordado Quando Morrer”, que narra os 85 dias que passou em sua terra natal após os ataques de Hamas e Israel, que resultaram em grandes perdas humanas. Julia Dantas, escritora gaúcha e criadora do blog “Diário da Enchente”, compartilhou sua experiência durante a tragédia climática de maio, onde buscou capturar a urgência das histórias contadas por aqueles afetados.
Saif revelou que, apesar de nunca ter desejado escrever diários, a iminente destruição de sua vida o levou a registrar suas experiências. Ele enfatizou a importância da escrita como um meio de preservar a memória e identidade diante da tragédia. “Sou uma pessoa, e não um número”, afirmou, referindo-se ao impacto das estatísticas sobre as vidas individuais.
Atualmente residindo na Europa, Saif descreveu a vida em Gaza como uma prisão, ressaltando que a maioria da população nunca conseguiu sair da região. O debate foi densificado por relatos pessoais que transcenderam questões geopolíticas, embora a interação com o público trouxesse novas questões à tona.
Dantas abordou a situação política em Porto Alegre, observando a reeleição do atual prefeito como um reflexo do desencanto geral com propostas futuras. Saif, por sua vez, critiou a indiferença da comunidade internacional em relação aos direitos humanos, promovendo a esperança de um mundo mais justo, mesmo que não esteja presente para vê-lo.
O evento ainda contou com a participação de Odorico Leal e Micheliny Verunschk, que discutiram o papel da literatura em reimaginar a realidade contemporânea. Em um panorama de contradições políticas e sociais, Leal destacou a dificuldade de a literatura oferecer respostas satisfatórias, enquanto Verunschk questionou a definição de realidade em tempos tão mutáveis. A troca entre os escritores sugeriu que, mesmo em meio ao caos, a literatura continua a ser um importante veículo de reflexão e crítica social.