Antes de iniciar sua jornada pela floresta tropical, Christian Puchi, guarda florestal experiente, assegurou que seu facão estivesse seguro e que seus colegas estivessem devidamente protegidos contra os mosquitos. Eles cruzaram as águas, repletas de turistas à espera de avistamentos das icônicas tartarugas da Costa Rica, enquanto Puchi e sua equipe apenas desejavam retornar em segurança.
A equipe lida com perigo constante, como sapos peçonhentos e cobras venenosas, mas a maior ameaça que enfrentam agora são os temidos cartéis de drogas, que utilizam os parques nacionais como pontos estratégicos de tráfico.
“Antigamente, nosso foco era a preservação, como descobrir pegadas de onça e ninhos de tartaruga. Hoje, áreas que deveriam ser protegidas se tornaram depósitos de drogas”, comentou Puchi, um vigilante ambiental com mais de 20 anos de serviço.
A Costa Rica, famosa por seu slogan “vida pura”, sempre foi um refúgio de paz na região, atraindo casais em lua de mel e amantes da natureza. Contudo, as florestas tropicais que constituem um quarto do país estão sendo invadidas por cartéis em busca de novas rotas para o tráfico, escapando das autoridades.
De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, a Costa Rica superou o México como principal ponto de transbordo de cocaína em 2020, e, embora o México tenha retomado a liderança no ano seguinte, a Costa Rica permanece como um dos principais corredores do tráfico.
Esse aumento no tráfico trouxe consigo um alarmante crescimento da violência. Homicídios no país aumentaram 53% entre 2020 e 2023. Essa escalada se reflete também em países caribenhos vizinhos, onde gangues competem pelo domínio no mercado de drogas, conforme relata a ONU.
Escolas se tornaram alvos em atos de violência, e casos de mutilações chocantes têm sido registrados. Competições sangrentas entre gangues locais e grupos mexicanos rivais intensificam uma cultura de terror nunca vista antes no país, segundo declarações do ministro da Segurança Pública, Mario Zamora Cordero.
‘Sem poder para fazer nada’
As operações dos cartéis são feitas de maneira brutal e eficiente. O Clã do Golfo, cartel colombiano de renome, utiliza submarinos para transportar cocaína pelo Pacífico até as florestas da Costa Rica, buscando esconderijos na natureza densa.
Cerca de 70% das drogas que entram no país fazem isso pela costa do Pacífico, conforme relatório da guarda costeira. A cocaína é então distribuída para portos na costa leste, disfarçada em envios de frutas destinadas à exportação.
Embora a Costa Rica tenha confiscado 21 toneladas de cocaína no último ano, especialistas afirmam que centenas de toneladas conseguem passar despercebidas anualmente. A infiltração do fentanil também é uma preocupação crescente, com o primeiro laboratório da substância sendo desmantelado recentemente.
A Costa Rica, única na América Latina sem exército, enfrenta a pressão de aumentar sua força policial, atualmente com cerca de 15 mil homens para 5,2 milhões de habitantes. O aumento orçamentário para segurança é um passo na direção certa, mas ainda há um extremo déficit na supervisão das vastas áreas florestais.
Com apenas 300 guardas florestais responsáveis por 1,3 milhão de hectares, os recursos são escassos e inadequados para confrontar o poderio armamentista dos cartéis. O contato com a civilização é limitado, e a comunicação é notoriamente falha, dificultando operações de resposta rápida.
A proximidade do porto de Moín, em Limón, tem contribuído para a intensificação da violência, elevando as taxas de criminalidade na cidade, que agora enfrenta um cenário caótico devido ao domínio das gangues locais sobre o tráfico de drogas.
Os cartéis utilizam armazéns de frutas como camuflagem para suas operações e estão adotando táticas sofisticadas, como o uso de mergulhadores para contrabando. Essa evolução nas técnicas de tráfico preocupa as autoridades, que reconhecem que a Costa Rica se tornou um eixo crucial para o tráfico internacional, especialmente para a Europa.
‘Temos que nos adaptar’
Em uma operação recente que uniu guardas florestais e polícia, as equipes buscaram atividades suspeitas em áreas propensas ao tráfico. Essa colaboração é um reconhecimento da urgência em enfrentar uma ameaça em constante evolução.
“Uma nova realidade nos força a unir esforços e adaptar nossa estratégia. A natureza da ameaça mudou radicalmente”, destacou o ministro do Meio Ambiente e Energia.