Os filmes de Hong Sang-soo frequentemente exploram sutis transformações que surgem através de diálogos e interações, variando de encontros casuais a situações carregadas de significado. Essa abordagem é claramente visível em “Através do Fluxo”, que está em exibição na Mostra de Cinema de São Paulo, onde mudanças significativas se desenrolam de maneira impactante.
A história se inicia quando Jeonin, interpretada por Kim Min-hee, uma professora universitária, convida seu tio, o escritor Kwon Hae-hyo, que enfrenta uma crise em sua carreira, para dirigir uma peça teatral com alunos. O motivo do convite é a saída do aluno que originalmente dirigia a peça, impulsionado por relacionamentos complicados com três atrizes do projeto.
Um clima de mal-estar permeia a narrativa e logo se torna evidente. Primeiro, há uma vigilância rigorosa na entrada do campus, sugerindo que o possível retorno do aluno que deixou a escola é o causador dessa situação. Além disso, Jeonin chegou a uma posição de destaque na faculdade com a ajuda de uma influente professora, Jeong, que é uma grande admiradora do escritor e o considera um patrimônio cultural.
Uma questão intrigante surge: Jeonin conquistou sua posição por mérito próprio ou sua professora a ajuda por conta da admiração por seu tio?
A história avança em um fluxo contínuo, em que um evento se conecta ao seguinte, criando uma narrativa que reflete as nuances da vida, repleta de altos e baixos. Essas reações e sentimentos manifestam-se principalmente nas expressões do escritor, que se torna um reflexo das dinâmicas que permeiam a trama.
Os enredos se interligam, e é essa interconexão que é uma característica marcante dos filmes de Hong. Em “Através do Fluxo”, algumas situações intrigantes se destacam na memória do público, como o desaparecimento temporário de uma das atrizes da peça, que é encontrada posteriormente na companhia do ex-aluno. Esse momento gera uma interação entre Jeonin e as atrizes, enquanto o tio se afasta para conversar com o estudante, mas o que ocorre nessa conversa permanece um mistério.
Em outro cenário, após uma recepção negativa da peça, Jeong é chamada para se reunir com o presidente da universidade, o que levanta dúvidas em Jeonin sobre sua posição, visto seu envolvimento com o escritor. Posteriormente, Jeonin também é convocada para essa conversa, criando um clima de tensão, já que sua decisão de convidar seu tio poderia acarretar consequências.
No entanto, surpreendentemente, após a reunião, ambas saem sem que nenhuma advertência ou penalidade tenha sido aplicada, revelando que os temores eram infundados.
Esses episódios breves e as pontas soltas ao longo da narrativa lembram a natureza flutuante do rio que atravessa o campus: em alguns trechos, fluido e vigoroso; em outros, seco e estagnado. Tais elementos interrompem a linearidade da história e introduzem uma nova dimensão à narrativa, funcionando como um reflexo da vida, onde as situações não se resolvem sempre de maneira clara ou definitiva.
Ao observar “Através do Fluxo”, nota-se que toda a obra é tecida com esses fios soltos e situações inacabadas que compõem a existência dos personagens. É nesta habilidade de lidar com os vazios narrativos e transformar esses momentos em poesia que reside a verdadeira essência da arte de Hong Sang-soo.