O presidente Lula aumentou a intensidade de suas declarações após receber críticas de líderes indígenas durante a cerimônia de repatriação do manto tupinambá, realizada no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ele se posicionou firmemente contra o marco temporal, considerando-o “uma ideia absurda” e criticou a derrubada de seus vetos pela bancada ruralista no Congresso Nacional.
“Semelhante a vocês, sou contra a tese do marco temporal. Vetei essa ameaça aos povos indígenas. No entanto, o Congresso Nacional, utilizando uma prerrogativa legal, reverteu meu veto. A discussão está em andamento na Suprema Corte, e minha posição permanece inalterada. Defendo os direitos dos povos indígenas, seu território e sua cultura”, declarou em seu discurso.
Antes de sua fala, Lula enfrentou críticas sobre a lentidão na demarcação de terras indígenas e as derrotas legislativas, especialmente em relação ao esvaziamento das pastas voltadas ao Meio Ambiente e aos Povos Indígenas.
Em sua defesa, Lula destacou a inclusão de indígenas em seu governo, mencionando a escolha de Joenia Wapichana como presidente da Funai e a criação do Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sônia Guajajara.
“O reconhecimento e respeito aos direitos dos povos originários são prioridades do meu governo. Criamos o Ministério dos Povos Indígenas, realizamos a desintrusão de terras e homologamos novas demarcações. Tenho confiança de que avançaremos ainda mais”, afirmou.
A cacica Jamopoty Tupinambá prestou homenagem à sua mãe, Amotara, uma proeminente liderança da região de Olivença, que iniciou a luta pela repatriação do manto nos anos 2000.
Jamopoty solicitou a Lula e ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, a demarcação das terras do povo tupinambá e a garantia de direitos fundamentais como saúde, educação e segurança.
“Tenho 24 anos de cacicado e estou cansada de lutar. Bato à porta e só encontro resistência. Precisamos de portas abertas para os povos originários. Nosso ministério foi criado com dedicação, mas necessita de mais apoio. Precisamos de um ministério focado na demarcação de terras”, enfatizou Jamopoty.
“O Ministério dos Povos Indígenas deve colaborar com outros ministérios, pois somos parte da sociedade. Também temos direito a uma educação de qualidade e saúde adequada”, acrescentou.
A anciã Yakuy Tupinambá desrespeitou o tempo de fala ao ler um manifesto expressando insatisfação com a postura do Estado em relação aos direitos indígenas, enfatizando a colonização e os ataques contínuos aos direitos originários.
“Sofremos violações há muito tempo, mas recentemente o Estado desencadeou uma retirada de direitos que ameaça nossa dignidade e existência. Estamos diante do pior Congresso da história e de um Judiciário tendencioso. Vivemos uma democracia distorcida”, denunciou.
Foi durante a cerimônia que Lula agradeceu ao governo dinamarquês pela devolução do manto, que estava na Europa desde o século XVII, e exigiu ao governador da Bahia a criação de um espaço para abrigar a peça, apontando para a realocação do manto para o território tupinambá.
Lula pediu para que Yakuy mudasse sua abordagem, reforçando que não há necessidade de subserviência para se manter no poder. Ele lembrou da sua situação no Congresso, onde conta com 70 deputados e 9 senadores, e que é forçado a dialogar com opositores para promover sua agenda.
O presidente também comparou sua abordagem indigenista à de governos anteriores e reafirmou sua posição contrária ao marco temporal, que limita os direitos territoriais indígenas apenas às áreas ocupadas em 1988.
O evento também teve a participação de outras autoridades, além de representantes do governo e lideranças indígenas. O manto sagrado foi brevemente exibido em um vídeo durante a cerimônia, acompanhado de narrativas de líderes tupinambás e do Museu Nacional.
A insatisfação indígena com a política indigenista do governo federal não é recente. Desde o ato simbólico do cacique Raoni Metuktire durante a posse de Lula, a expectativa em relação à mudança de políticas não foi alcançada.
No ano passado, o governo desestruturou as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, provocando protestos significativos e descumprindo promessas de demarcação de terras indígenas, com apenas duas áreas demarcadas em vez de seis. A Casa Civil justificou a decisão com a necessidade de cautela e segurança jurídica.