Mais de um terço das áreas de alta biodiversidade global estão situadas em regiões habitadas por comunidades tradicionais. Na Amazônia, práticas ancestrais de manejo sustentável demonstraram ser tão eficazes quanto áreas protegidas na conservação de ecossistemas.
Essas comunidades, com seu conhecimento profundo sobre os recursos naturais, desempenham um papel fundamental na preservação ambiental, apesar de frequentemente serem ignoradas nas políticas públicas.
Em um contexto de mudanças climáticas e perda alarmante de biodiversidade, é crucial reconhecer e integrar as contribuições dessas comunidades. Este tópico é especialmente pertinente em face do Acordo de Kunming-Montreal, que enfatiza a importância de soluções inclusivas baseadas no conhecimento local para proteger os ecossistemas e garantir um futuro sustentável.
Para explorar a relevância das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade, realizamos uma análise abrangente da literatura científica, revisando 519 artigos entre 1994 e 2024. O resultado desta pesquisa se materializou no artigo “A Importância das Comunidades Tradicionais na Conservação da Biodiversidade”, agora publicado na revista Biodiversity and Conservation.
Contribuições das Comunidades Tradicionais
O interesse acadêmico sobre comunidades tradicionais cresceu significativamente nos últimos anos. Em 2022, a produção científica na área atingiu seu auge, com o Brasil e a Índia liderando tanto em publicações quanto em estudos sobre populações tradicionais.
Essas pesquisas evidenciam que terras administradas por comunidades tradicionais apresentam níveis de biodiversidade comparáveis àqueles encontrados em áreas protegidas.
As práticas sustentáveis, como o manejo florestal, a pesca responsável e o uso de plantas medicinais transmitidos entre gerações, evidenciam a possibilidade de harmonização entre o uso humano e a conservação ambiental.
O estudo identificou cinco áreas principais onde as comunidades tradicionais provêm significativas contribuições para a conservação da biodiversidade:
- Manejo agroflorestal: Sistemas que combinam árvores, cultivos agrícolas e vegetação nativa, favorecendo a conservação do solo e aumento da biodiversidade, enquanto práticas como a pesca sustentável asseguram a renovação de estoques pesqueiros.
- Tradições culturais e espirituais: Tabus, áreas sagradas e rituais protegem ecossistemas vulneráveis e espécies ameaçadas, reforçando a conexão humana com a natureza.
- Restauração de habitats: Técnicas como rotação de culturas e reflorestamento ajudam a recuperar áreas degradadas, mitigando a perda de biodiversidade.
- Monitoramento comunitário: Observações locais de mudanças ambientais permitem respostas adaptativas para a gestão de recursos, melhorando a precisão dos dados e o envolvimento comunitário na conservação.
- Educação ambiental: A transmissão de valores entre gerações e programas que combinam saberes tradicionais e científicos fortalecem práticas sustentáveis.
Desafios, Injustiças e um Chamado à Ação
Apesar de suas valiosas contribuições, as comunidades tradicionais enfrentam sub-representação na ciência, com apenas 0,57% das publicações analisadas incluindo autores dessas populações. Esta realidade demonstra a necessidade de promover equidade e respeito aos direitos territoriais, integrando essas comunidades como protagonistas na formulação de soluções ambientais.
Integrar o conhecimento tradicional às abordagens científicas não é apenas eficiente; é uma questão de justiça social. Essas comunidades exemplificam a possibilidade de coexistência harmoniosa com a natureza, apresentando modelos eficazes de gestão e conservação.
É fundamental reconhecer e valorizar esses guardiões da biodiversidade. Ao integrar suas práticas e conhecimentos, temos a oportunidade de enfrentar os desafios ambientais globais, promovendo um futuro sustentável, onde justiça e conservação caminham lado a lado.